domingo, 27 de junho de 2010

Bicicletas e Casamento ou Greta e Ingrid


Ao contrário do que parece, faz sentido a frase "não sei se caso ou compro uma bicicleta"
De novo as bicicletas, eu sei, já é fixação
Essa admiração por bicicleta não é coisa só minha
O grupo vocal Boca Livre, por exemplo, gravou o álbum Bicicleta em1980
A canção título não tem letra, é muito gostosa, alegre como pedalar em rua plana
Depois da paixão pela bicicleta vermelha, o objeto de admiração passou a ser a preta
Algo retrô, aquelas com uma espécie de farol na frente, paralamas grossos, cestinha de palha, para carregar objetos e claro, pintura brilhosa, muito brilhosa
Como mudei o foco da minha admiração para essa?
Filmes, dos antigos, em preto e branco
Antigamente a tv exibia muitos filmes desses e vi um bocado deles
Por causa deles algumas das minhas referências são antiquadas
Por exemplo, a moda de Hollywood dos anos 30 e 40, adoro
Mulheres lindas com seus cabelos arrumadinhos, saias vaporosas, sapatos elegantes
Filmes, muitos filmes
Ficaram no meu imaginário imagens dessas décadas, em que eu sequer era nascida
Aquelas missionárias inglesas do início do século vinte, em missões religiosas pela Ásia e Africa
Achava aquilo maravilhoso
Além de serem mulheres aventurando longe de seus mundinhos, não eram casadas e viviam pelo que acreditavam
Elas eram meus ídolos, ideologias religiosas à parte
Minhas favoritas eram Ingrid Bergman, Greta Garbo, Anne Bancroft e Carmen Miranda, mas essa já é de outro departamento
Minhas heroínas eram do tipo sério, melancólicas, algumas paradonas e problemáticas
Em A Morada da Sexta Felicidade, Ingrid Berman encarna uma obstinada empregada doméstica inglesa que na década de 30 quer ser missionária na China.
Nem a Igreja acreditava nela, não a aprovava para a missão
Ela não só vai, salva um monte de criancinhas dos invasores japoneses, como também ganha o mocinho, um oficial do exército chinês
Esse filme me foi extremamente comovente na juventude. Soube a bem pouco tempo que é baseado numa história real
Queria fazer coisas heróicas como ela

Em Sete Mulheres, Anne Bacroft interpreta uma médica que em 1930 também vai para a China, trabalhar numa missão religiosa americana, prestes a ser invadida por mongóis. Ela difere das mulheres da missão, é independente, liberal, espirituosa, desbocada. Com a invasão mongol concretizada, ela se oferece em sacrifício a eles, para salvar as companheiras de missão
Vi esse filme ainda menina, lembro dele até hoje. É de 1966

Greta Garbo, meu Deus, que mulher maravilhosa ! Ela interpretou a Dama das Camélias, filme de 1936. A história se passa na França no século XIX. Por ser uma cortesã, ela abdica de seu amado para não prejudicar a reputação e o futuro dele

O que há em comum entre elas? São lindas, melancólicas, sofredoras, não cabem nos modelos de suas sociedades e algumas não terminaram bem
Nada de heroínas fogosas e sensuais, como a belíssima Rita Hayworth em Gilda
Nada disso, esse não era meu tipo
As minhas heroínas eram as mulheres que eu queria ser
Como se previsse ou quisesse viver aventuras sem final feliz
Melancólicas como eu, podia entendê-las e por isso me despertavam vontade de protegê-las
...estar perto, conviver, amparar, abraçar, desejar
Ops, aqui se dá a transição entre " a mulher que eu queria SER e a mulher que eu queria TER"
Tento lembrar das primeiras vezes que senti desejo por figuras femininas e me vem essas musas do cinema antigo
Aí começou para mim a relação entre bicicletas e casamento, casamento gay, é claro
Casamento dos outros, porque os meus vivo na telinha ou telona e me basta !
Sinto hoje que o melhor amor é o não vivido
Ou aquele que dá para ser desligado pelo controle remoto

M J

Música linda
Melancolia
Tanta polêmica
Triste vida de realeza
A vida e as criações não podem ter sido à toa
Nunca fui muito ligada nele
Depois que se foi, as músicas me tocam mais
Talvez pela história de tanto desamparo
Fica uma sensação de pena e desperdício
Vida tão maluca
Tão distante do que conheço, mas não cabe maniqueísmo
Porque somos feitos de doideira e maravilha, tudo ao mesmo tempo
Somos essa mistura primitiva de saúde e insano
A pessoa que produziu aquelas músicas, doces baladas, não podia ser totalmente doida
Ou melhor, até podia, mas isso não anula sua dignidade, humanidade
Havia candura nele, doçura
Que pena que se foi
Tomara que esteja bem onde estiver
Ou ao menos esteja o melhor possível e enfim amparado

Bicicleta

Hoje via televisão e um comercial me sugou para a infância
Algo tipo túnel do tempo:
- Uma menina saía de uma loja com o pai, conduzindo uma bicicleta novinha
De imediato voltei ao meu desejo infantil de ter uma bicicleta
Era um sonho, coisa cara.
Minha família vivia apertada.
As prioridades eram outras, educar os filhos e o todo o básico, que não era pouco, já que eram muitos filhos
No meu universo infantil, as bicicletas eram as coisas mais lindas do mundo
As vermelhas então! O brilho da pintura . A borracha novinha e preta dos pneus. Franjas coloridas pendendo do guidon
Era felicidade instantânea
Havia o comercial "não esqueça da minha Calói", martelando a cabeça das crianças
Minha vizinha tinha uma vermelha
Lembranças deliciosas
Como ando voltando a elas, precisando dos sentimentos de lá, tentando resgatar o prazer para colocar no hoje
Minhas baterias eram carregadas naquela época, repletas
Hoje energia escassa
Os prazeres da época eram:
Chinelos havaianas novinhos, diferentes dos de agora e em poucas cores
As maravilhosas bicicletas vermelhas, de que já falei antes, que para mim viraram sinônimo de coisa boa
Tardes de piscina no clube suburbano
Bonecas da Estrela, Manequinho, Mãezinha, Gui-gui, Beijoca, Tipy, Lili e Lalá...
Cachorro quente da cantina do colégio das freiras, onde eu era aluna bolsista. O cheiro do molho no mínimo era divino
Ir fantasiada aos bailes infantis de Carnaval
Fazer e completar álbuns de figurinhas
Vestidinhos de algodão, estampados com florzinhas e frutinhas
Sapatos e sandálias enfeitadinhos, principalmente os de verniz
Botas de couro no inverno
Material escolar novo
Mochila escolar preta de couro
Tocar piano
Flauta doce
E outras coisinhas mais
Além desses desejos, tinha uma fantasia constante, ir embora
Pegar a bicicleta, colocar uma caixa no bagageiro com coisas indispensáveis
Aventurar, cair no mundo, escolher sozinha os rumos, partir, partir, partir !
Pois bem, só fui ter uma boneca da estrela aos 12 anos, quando já estava deixando a infância
Meu cachorro quente era sem salsicha, mais barato, era o que eu podia pagar
Só completei um álbum de figurinhas em toda vida, era caro, "desperdício de dinheiro"
Minha primeira bicicleta não era vermelha, era azul e não era Calói, era "cover"
Quando minha mãe pode me dar a mochila de couro preta, não tinha mais nas lojas da cidade.
Ganhei uma de couro sintético, com o Zé Carioca, feinha que só vendo
Tocar piano, um sonho inatingível. Ter um piano era do outro planeta
Só consegui entrar para o conservatório de música no curso de acordeon, porque havia um velho lá em casa
Nunca fui fantasiada a um baile de Carnaval, mas ganhei as sapatilhas de colombina, chamávamos de "bambuchas", que usei no baile com uma roupa qualquer
Essa é a vida, minha vida
Tive várias havaianas novinhas, nunca uma amarela (era a mais bonita)
Não tive tantos vestidinhos quanto queria.
Nas tardes de verão, de banho tomado, usava o que tinha, para brincar na rua com a criançada da vizinhança
Ganhei uma flauta doce num aniversário, foi vaquinha em família
Com ela toquei na orquestra infantil do conservatório municipal
Tive várias tardes de piscina no clube, maravilhosas
Tive uma lindíssima sandália vermelha de verniz, que usei à exaustão, tanto que na escola fui conhecida como a guria da sandália vermelha
Meu pai contou que um dia foi me buscar na escola e perguntou por mim a um menino, que replicou: a guria da sandália vermelha?
Entre riso e melancolia reli o que escrevi.
Vi que a maioria dos meus desejos era material
Estranho, muito estranho
Talvez porque o principal não me faltava:
Família presente e atenta, uma casa simples e confortável, escola, saúde e barriga cheia
Nunca usei botas na infância. Hoje tenho vários pares
Meu primeiro carro foi zero km e vermelho. Meu pai nunca teve um
Aos 21 anos montei meu primeiro apartamento para morar sozinha. De certa forma, peguei a bicicleta e caí no mundo
Se quisesse, até poderia ter comprado um piano
Nada disso me fez mais feliz
Que pessoa doida sou eu
O que quero ser quando crescer?
Será que vou entender e crescer de fato?
Hoje sinto necessidade de outra coisa, ou seja, a melhor e a pior coisa do mundo
Que são exatamente a mesma coisa: gente !
Que me alegra e me derruba
Hoje só fiz a catárse.
Reflito melhor outra hora
Ao menos registrei
Clau, já sei, preciso terapia!

sábado, 26 de junho de 2010

Assistindo o tempo

Pensando...
Aos quase quarenta e sete anos, vinte anos atrás é ontem
Foi ontem que tive vinte e sete
Pensava que a vida de fato começava ali
Porque ali, finalmente era independente financeiramente
Já podia mandar em mim
Andar com meus pés, sem as bengalas da família
Duplamente grande engano
Bengalas que jamais se larga
Mandar em mim não seria garantia de felicidade
Enfim, vinte anos atrás o amanhã era um infinito de possibilidades
Hoje, exatamente hoje, pensar em vinte anos para frente é aproximar do fim
Sessenta e sete...
Por minhas características psíquicas, físicas e condições de vida, não faço o tipo que vai longe, apesar de longevidade até ser uma característica da minha família, principalmente a materna
Hoje, a lucidez assiste o decréscimo da energia
Solidão da alma neste momento
Vontade apenas da minha própria companhia
Amigos tão queridos no coração
Mas o momento é de recolhimento
É inverno severo na montanha
É preciso recolher lenha e ficar reclusa na cabana
Observar o fogo na lareira
Esperar o fim do inverno para ver o que acontece
Nesse retiro, coração baqueado
Tudo soma
A consciência de tudo, que sempre me foi fundamental, hoje me entristece
Quem sabe seria melhor não ter entendido?
E ainda o relógio que não para, não descansa
Contagem regressiva
Como viver esse momento?
tic tac, tic tac ...


Para Rosana, que disse gostar dos meus textos