domingo, 27 de junho de 2010

Bicicleta

Hoje via televisão e um comercial me sugou para a infância
Algo tipo túnel do tempo:
- Uma menina saía de uma loja com o pai, conduzindo uma bicicleta novinha
De imediato voltei ao meu desejo infantil de ter uma bicicleta
Era um sonho, coisa cara.
Minha família vivia apertada.
As prioridades eram outras, educar os filhos e o todo o básico, que não era pouco, já que eram muitos filhos
No meu universo infantil, as bicicletas eram as coisas mais lindas do mundo
As vermelhas então! O brilho da pintura . A borracha novinha e preta dos pneus. Franjas coloridas pendendo do guidon
Era felicidade instantânea
Havia o comercial "não esqueça da minha Calói", martelando a cabeça das crianças
Minha vizinha tinha uma vermelha
Lembranças deliciosas
Como ando voltando a elas, precisando dos sentimentos de lá, tentando resgatar o prazer para colocar no hoje
Minhas baterias eram carregadas naquela época, repletas
Hoje energia escassa
Os prazeres da época eram:
Chinelos havaianas novinhos, diferentes dos de agora e em poucas cores
As maravilhosas bicicletas vermelhas, de que já falei antes, que para mim viraram sinônimo de coisa boa
Tardes de piscina no clube suburbano
Bonecas da Estrela, Manequinho, Mãezinha, Gui-gui, Beijoca, Tipy, Lili e Lalá...
Cachorro quente da cantina do colégio das freiras, onde eu era aluna bolsista. O cheiro do molho no mínimo era divino
Ir fantasiada aos bailes infantis de Carnaval
Fazer e completar álbuns de figurinhas
Vestidinhos de algodão, estampados com florzinhas e frutinhas
Sapatos e sandálias enfeitadinhos, principalmente os de verniz
Botas de couro no inverno
Material escolar novo
Mochila escolar preta de couro
Tocar piano
Flauta doce
E outras coisinhas mais
Além desses desejos, tinha uma fantasia constante, ir embora
Pegar a bicicleta, colocar uma caixa no bagageiro com coisas indispensáveis
Aventurar, cair no mundo, escolher sozinha os rumos, partir, partir, partir !
Pois bem, só fui ter uma boneca da estrela aos 12 anos, quando já estava deixando a infância
Meu cachorro quente era sem salsicha, mais barato, era o que eu podia pagar
Só completei um álbum de figurinhas em toda vida, era caro, "desperdício de dinheiro"
Minha primeira bicicleta não era vermelha, era azul e não era Calói, era "cover"
Quando minha mãe pode me dar a mochila de couro preta, não tinha mais nas lojas da cidade.
Ganhei uma de couro sintético, com o Zé Carioca, feinha que só vendo
Tocar piano, um sonho inatingível. Ter um piano era do outro planeta
Só consegui entrar para o conservatório de música no curso de acordeon, porque havia um velho lá em casa
Nunca fui fantasiada a um baile de Carnaval, mas ganhei as sapatilhas de colombina, chamávamos de "bambuchas", que usei no baile com uma roupa qualquer
Essa é a vida, minha vida
Tive várias havaianas novinhas, nunca uma amarela (era a mais bonita)
Não tive tantos vestidinhos quanto queria.
Nas tardes de verão, de banho tomado, usava o que tinha, para brincar na rua com a criançada da vizinhança
Ganhei uma flauta doce num aniversário, foi vaquinha em família
Com ela toquei na orquestra infantil do conservatório municipal
Tive várias tardes de piscina no clube, maravilhosas
Tive uma lindíssima sandália vermelha de verniz, que usei à exaustão, tanto que na escola fui conhecida como a guria da sandália vermelha
Meu pai contou que um dia foi me buscar na escola e perguntou por mim a um menino, que replicou: a guria da sandália vermelha?
Entre riso e melancolia reli o que escrevi.
Vi que a maioria dos meus desejos era material
Estranho, muito estranho
Talvez porque o principal não me faltava:
Família presente e atenta, uma casa simples e confortável, escola, saúde e barriga cheia
Nunca usei botas na infância. Hoje tenho vários pares
Meu primeiro carro foi zero km e vermelho. Meu pai nunca teve um
Aos 21 anos montei meu primeiro apartamento para morar sozinha. De certa forma, peguei a bicicleta e caí no mundo
Se quisesse, até poderia ter comprado um piano
Nada disso me fez mais feliz
Que pessoa doida sou eu
O que quero ser quando crescer?
Será que vou entender e crescer de fato?
Hoje sinto necessidade de outra coisa, ou seja, a melhor e a pior coisa do mundo
Que são exatamente a mesma coisa: gente !
Que me alegra e me derruba
Hoje só fiz a catárse.
Reflito melhor outra hora
Ao menos registrei
Clau, já sei, preciso terapia!

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